É necessário estruturar já, uma fase de desmame…
O problema das dívidas soberanas é, simplesmente, o início de um processo de inflexão e ajuste a que as economias desenvolvidas estarão - incontornavelmente - sujeitas nos próximos decénios.
Estas economias atingiram níveis de riqueza substanciais e procuraram, a todo o custo, manterem essa situação. Com o advento da globalização e com as alterações (reduções quantitativas e aumentos de preços) no acesso aos combustíveis fósseis, os pressupostos alteraram-se. E, a partir da sociedade baseada no crescimento económico contínuo será necessário colocar os “pés no chão” e passar para um período de recessão contínua que se pretende controlada. Uma boa gestão pública, nestes países, deixará de ser aquela que assegura o crescimento e passará a ser aquela que conseguirá evitar as roturas, garantindo uma “aterragem suave” da sociedade que tem vivido, nos últimos anos, na estratosfera…
Infelizmente, estes países ignoraram completamente o facto dos equilíbrios globais já não as beneficiarem, tendo o trabalho sido deslocalizado para os países em desenvolvimento, com custos de trabalho inferiores. E, com o trabalho, também foi a riqueza que dele deriva, neste caso, para a “nuvem”, zona virtual, extra-nacional, onde as multinacionais se “instalaram”, longe das leis e dos controlos soberanos.
A riqueza saiu mas os níveis de vida mantiveram-se. Os défices passaram a ser recorrentes e a dívida cresceu…
Como todos conseguem entender, com menos riqueza e mais dívida, o fardo começou a ser cada vez mais pesado.
Até que se torna insustentável.
Quando isso acontece, usualmente, os Países em questão estão já estruturalmente desequilibrados. Com despesas fixas elevadas (Estado Social) e com o trabalho e a riqueza de saída.
O problema é que, entre a “realização” da situação (no final das ilusões socialistas) e o default no acesso a financiamentos, nos mercados financeiros, não há saídas (ou formas de saída) estabelecidas. A crise das dívidas soberanas, que começaram aqui ou ali, na América do Sul, expande-se para a Europa, primeiro aos países periféricos, mas ameaçando uma generalização do problema.
Nos países desenvolvidos:
A riqueza começou – naturalmente - por via da globalização, a decair.
E aí, criou-se uma ilusão.
A de que o crescimento e os níveis de vida seriam sempre crescentes.
As democracias continuaram a eleger quem assegurasse esse crescimento ou, no mínimo, que conseguisse manter a situação.
O que se revelou irrealista… na esmagadora maioria das situações.
Há centenas de milhões de trabalhadores chineses, cujo nível de vida e rendimento é apenas uma ínfima parte da que usufruímos nos países desenvolvidos. O processo de melhoria das condições de vida de toda essa multidão (para um nível que, mesmo assim, continuará a ser bem inferior ao nosso) está a decorrer inexoravelmente e isso impõe uma transferência de riqueza.
Pois o planeta é finito, os recursos começam a escassear e a globalização assegura que o trabalho, os recursos necessários e a riqueza consequente circulam, encontrando as melhores localização em função da relação custos/produtividade.
Não tenhamos dúvidas: nós e eles acabaremos por nos encontrar num determinado nível. Que se situará algures bem acima de onde estão eles e bem abaixo de onde estamos nós.
Restará apenas saber de que forma cairemos…
De supetão? De forma calculada e consciente?
Na ilusão socialista – que criou um Estado Social Europeu inflexível e de benefícios sempre crescentes (que, contraditoriamente, os EUA de Obama agora prosseguem) mantivemos gestões em défice, para o sustentar. Nessa ilusão, Estados, empresas e populações inteiras passaram a gastar mais do que conseguiam produzir. E sustentaram a ilusão, pedindo emprestado.
E chegamos ao ponto actual.
Gestões em défice estrutural (com despesas inflexíveis “defendidas” pelas Constituições nacionais) e dívidas soberanas em crescendo e com dimensão para além
Para obviar o problema, falta a fase do desmame…
Ou seja uma simples oportunidade de correcção – reconhecendo, realisticamente, o problema.
É necessário iniciar o desmame. A “aterragem” de uma economia em ilusão, de forma controlada, evitando quedas abruptas, em rotura, que arrastarão tudo e todos. Mesmo os que se acham seguros...
Os mecanismos actuais não enquadram uma fase de desmame. E deveriam. Pois Grécia, Irlanda e Portugal são meras etapas. O processo cresce e segue, passando pela Itália, Espanha, arrastando toda a Europa e, não demora nada, chegaremos à mãe de todas as dívidas soberanas…
As soluções aplicadas à Grécia, Irlanda e Portugal foram casos isolados tratados isoladamente. Não configuram uma solução estruturada, pré-definida. E será solução (?) apenas enquanto as economias enquadradas forem “pequenas para serem salvas”. De uma forma paternalista com uma base solidária (hipócrita) de alguns grandes que, como se diz atrás, se acham seguros. Não estão…
Os mercados deverão, para se salvaguardar a si próprios, implementar os tais sistemas de desmame de um problema para o qual também contribuíram. Afinal eles emprestaram. Pelo que devem assumir parte do risco. E aceitar que só se salvarão (também eles) se o processo de emprestar e pedir emprestado se mantiver – sempre – a níveis controlados.
Até lá, é necessário ajustar. Controladamente.
1º As empresas de notação deverão passar a ter como clientes quem empresta e não quem pede emprestado… e passar a assumir um risco, mesmo que longínquo, sobre a avaliação que farão para os seus clientes. Não tem sentido que classifiquem um potencial devedor com rating A e, no final do período de maturidade, o credor possa enfrentar um default da dívida em questão. Pelo que, por opção, quem empresta, passará a ter o direito de contratar um seguro sobre a notação efectuada, dentro do contrato de empréstimo que efectua, agora, a três…
2º Os credores deverão entender que ao emprestar assumiam um risco. E que esse risco existe mesmo e que pode ter consequências.
3º É nesse pressuposto que o devedor passa a ter acesso a um processo (legal) de ajuste (desmame). Que pode ser decidido de forma unilateral, mas agora, de forma controlada, bem definida e conhecida (de todos e, principalmente) de quem empresta. Isto tudo antes de dar tudo como lixo e de haver incumprimento (com ou sem hair cut) descontrolado.
4º Assim, ao devedor, seria dado um prazo de ajuste.
5º E ao credor, abre-se uma nova possibilidade de recuperar o seu dinheiro (agora notado como lixo), mesmo que sob novas condições.
6º Assim, a dívida soberana seria dada como insolvente. Em vez de se esperar por solidariedades e espíritos de grupo da EUROPA, FMI e outros que tais - que não virão, pois a situação é apenas precoce para uns e chegará também aos outros - pois tudo isso será apenas um paliativo.
7º Assim, o País que se encontre nesta situação poderia activar unilateralmente um estado de insolvência controlada (moratória da dívida soberana) em que os credores teriam que se associar. Digamos que é uma das consequências do risco assumido ao emprestar…
8º Nesta nova situação, o País passaria a ter uma moratória de decisão unilateral ao longo de 3+2+1 anos, para se ajustar. A partir desse momento, em cada “vencimento” de uma tranche de dívida soberana, começaria por pagar apenas 5% do seu total (incluindo juros e capital) e entregaria o remanescente em novos títulos de dívida - especiais - a vencer em 3 anos com um juro “normal” e não especulativo. Três anos depois, se necessário, o processo repete-se num 2º vencimento quando incluiria uma amortização de 10% e entrega de novos títulos no restante valor. No 3º vencimento (ao fim de dois anos) haveria uma amortização de 25%. No final, um ano depois, a dívida deverá ser saldada.
9º Estes 6 anos constituiriam o tal período de desmame. Durante o qual o País em questão teria que se ajustar… à força, pois a alternativa não seria nada agradável. Seriam 3 anos para encontrar os equilíbrios de gestão (fim dos défices estruturais), mais 3 anos para demonstrar a sua “boa vontade” perante os credores. E depois, começaria a pagar o restante, e a pensar em crescer – o que a conjuntura internacional permitir. Um crescimento que partirá forçosamente de muito baixo. Para onde cairá o País em questão, neste processo de ajuste.
Este processo poderá ser acompanhado por um qualquer organismo internacional ou agência de notação (em funções diferentes das actuais) que avaliará e divulgará os resultados dos processos (internos) em curso.
É necessário clarificar que estes problemas e estas soluções só se aplicarão aos países que decidiram viver acima das suas possibilidades. Que, para isso, pediram emprestado descontroladamente. A quem se meteu na “boca do lobo”. Não tem sentido, agora, criar antagonismos sobre os mecanismos financeiros (mercados de dívida soberana) aos quais escolheram – eles mesmos – aderir.
E, quer se queira, quer não, com a entrada – esperada – dos EUA, neste processo, tudo isto (ou algo semelhante) terá mesmo que ser feito…
Se não, não queiramos conhecer a alternativa…
Sem comentários:
Enviar um comentário