março 29, 2012

Menos défice sem mais austeridade é possível

A execução orçamental portuguesa, do lado da receita, enfrenta problemas.
Mas, como estranhar esse facto?

Se há (muito) menos dinheiro na economia face à escassez de liquidez disponível, nos Bancos (apenas se conseguem financiar externamente no BCE), nas empresas (sem dinheiro dos bancos e com pagamentos públicos em atraso) e nos particulares (sujeitos a mais impostos, muito mais desemprego e funcionários públicos com menos dois ordenados). 

Com o orçamento de Estado bem mais limitado na despesa, como esperar que não caia (muito) a receita pública?

Com menos receita, o défice não estabilizará nos níveis necessários.

A solução é mais austeridade. Será mesmo?

Achamos que não. Se não, só seguiremos o caminho da Grécia. Que, está visto, não conduz a coisa alguma. A austeridade já imposta é a suficiente.
Mas é preciso mudar alguma coisa, para travar o problema do défice.

O défice estrutural é o primeiro ajuste. Que, parece, está no bom caminho. No entanto, não adianta “cantar de galo”. Afinal, estaremos apenas a passar por um período de menor consumo motivado pela perda de rendimentos disponíveis, mas que poderá ser apenas um adiamento da decisão de consumir (um carro, um LCD, um computador, um tablet). Pelo que, logo que volte uma “aberta”, tudo volta a ser deficitário. É preciso consolidar as compras do que é português e reduzir ao mínimo o que se compra fora.

As medidas estruturantes:

Inverter totalmente a orientação atual na área do trabalho em que se faz crescer a prestação exercida por cada trabalhador (menos feriados e férias, mais horas diárias), sem mexida nos rendimentos. É preciso não confundir mais produção individual com mais produção nacional. De que servirá ter 30 trabalhadores a trabalhar 8 horas em vez de 40 a trabalhar 6 horas? Principalmente quando não há mais (não há mesmo) do que 240h de trabalho disponível... 

Não precisamos de dar mais trabalho a quem o tem, potenciando ainda mais o desemprego, mas sim, dividir o que existe, por mais gente. E como?

Abrindo às empresas a possibilidade de ajustar o tempo de trabalho em cada emprego (a unidade de trabalho). Em baixa (limitando a redução a 15 ou 20%), com o correspondente corte salarial. Uma medida provisória, mas fundamental para evitar o desemprego e as falências, em altura de arrefecimento económico, junto a milhares de pequenas e médias empresas que passam por dificuldades. 

Nos sectores em crescimento esta medida pode ser desnecessária ou garantir mais emprego. Pois empregam-se mais 3 trabalhadores a trabalhar 8 horas ou mais 4 trabalhadores a trabalhar 6 horas. Para a empresa, custará o mesmo (pois os primeiros ganharão 800 e os segundos 600). Para o Estado: receberá praticamente os mesmos impostos e as mesmas contribuições para a segurança social. Mas, será menos um desempregado… menos despesas sociais, menos desequilíbrio social (que potência crime e outros problemas) e menos uma família a usufruir de uma miríade de descontos (sociais) aqui e ali e em todo o sítio, que custam sempre mais…

Na fiscalidade, aumentando bem mais o IVA, a fim de compensar a eliminação dos impostos sobre o rendimento e o financiamento da segurança social pelas empresas e trabalhadores. Sim. Leram bem. É uma mudança brusca. Mas assim se fará o choque fiscal que precisamos:

1)Mais investimento externo em Portugal (sem IRC e despesas sociais a pagar). Mais emprego, melhor balança comercial, pela certa.

2)Os produtos portugueses ganham competitividade acrescida, no exterior e no mercado interno (face às importações). Pois deixam de incorporar no seu custo, o financiamento da segurança social e os impostos sobre o rendimento. E, já agora, as importações passam a contribuir (mais) nessa área, via o IVA acrescido. É um ajuste de competitividade que valeria ouro.

3)As despesas sociais passariam a ser financiadas através de uma parte do IVA cobrado. Aí, em vez de ser o trabalho a suporta-las, passaria a ser o consumo… O que, para além das vantagens acima descritas, moralizaria de sobremaneira o processo. Afinal, os beneficiários sociais são todos os consumidores e não apenas todos os trabalhadores. E seria mais contribuinte quem mais consumisse. Ou seja, ficaria garantida a justiça fiscal também...

Claro que haverá mais a fazer. Mas sobre isso, é ler aqui.

março 21, 2012

Decrescimento controlado

Depois de lido o livro de Dambida Moyo (já com tradução para português) e um artigo, no Público de 19/02 sobre opiniões de Serge Latouche, juntou-se uma nota de Paulo Gaião, no Expresso.

Começamos a assistir ao crescimento da percepção realista de que o crescimento não voltará (pelo menos nas nossas sociedades, já "crescidas") e que teremos que enfrentar, serenamente, um futuro que não passará pelo que os actuais dirigentes nos querem fazer crer. 

Quanto mais tarde reconhecermos a situação, mais drásticas serão as suas consequências. Sobre o assunto, ler, muito mais opinião, aqui:

março 12, 2012

Regresso (?) aos mercados em 2013

Diz Passos Coelho - e não podia dizer outra coisa - que regressamos aos mercados financeiros em 2013. Ora, não regressamos nós, nem lá irão muitos mais.

Os mercados financeiros, tal como nós os conhecemos, nunca mais voltarão. O caso grego (haircut forçado, mesmo que digam que não) garantiu isso mesmo. A partir deste momento, as aplicações financeiras em refinanciamento de dívidas soberanas passarão a ser evitadas por qualquer investidor que preze o seu trabalho. As notações das "horríveis" agências internacionais apenas reflectem esta simples situação.

Deixou de fazer qualquer sentido a aplicação de recursos financeiros (os que estiverem disponíveis) em refinanciamento de dívidas soberanas. Sejam elas quais forem, incluindo as de países que hoje damos como seguros. Acabou.

O dinheiro e a liquidez que se liberte (poupanças e lucros) encontrarão sempre o seu caminho, em direcção aos mercados financeiros globais, para longe desse tipo de aplicação.

Hoje, nos mercados financeiros ao dispor das dívidas soberanas dos países desenvolvidos, vive-se um estado de "mentira", em tudo paralelo ao que se viveu, em Portugal, em 2011. Quase que poderíamos dizer que terá sido Constâncio que levou a receita...

Não há mercado nenhum a suportar os financiamentos das dívidas soberanas europeias. Há apenas um "teatrinho" onde o BCE (impedido de emprestar aos países) liberta recursos, emprestando dinheiro aos Bancos privados a juros de 1%. Os Bancos privados tomam-no, com o compromisso de o aplicarem, em parte, onde lhes indicarem... 
E assim se monta um "teatrinho" que vai garantindo os refinanciamentos actuais, empurrando o problema com a barriga, para a frente... ao ritmo que os verdadeiros investidores vão retirando paulatinamente, os seus recursos do sistema, e à medida que as tranches aplicadas anteriormente, se vão vencendo.

Remedeio puro e duro. Nada se resolve, tudo se adia...

Com as economias desenvolvidas - estruturalmente - em queda produtiva, em défice e a produzir dívida crescente, toda a liquidez colocada no mercado foge, assim que se vê liberta... E foge para os mercados emergentes. Não só em pagamento de bens e serviços importados, como à procura de aplicações seguras e rentáveis.

Mas volta.
Nas mãos de investidores "emergentes", que os aplicam em compras de empresas e conhecimento (know how) ocidental, e no refinanciamento de dívida e no suporte dos défices "desenvolvidos", criando uma dependência (financeira, económica e política) sobre os devedores. Que lhes poderá ser útil hoje e no futuro.

O ajuste será difícil e não se limitará aos países aparentemente mais frágeis. Todos os países desenvolvidos com dívidas substanciais (em termos relativos ou absolutos) seguirão o mesmo caminho. Pois "secará" inevitavelmente toda a liquidez que antes era seguramente aplicada em dívida soberana. Nem a da Alemanha ficará a salvo. Afinal, a liquidez que ali está, justifica-se pelos excedentes comerciais originados nas trocas com países que entrarão em austeridade forçada (serão muitos) e nos recursos desses mesmos países que ali são colocados (nos bancos alemães) como último recurso, ainda válido no momento presente. Mas que o deixará de ser, em pouco tempo. Pois a fluidez e o movimento livre dos recursos financeiros, os conduzirão, também, para aplicações "emergentes", seguras e rentáveis.  Bem longe das dívidas soberanas...

março 05, 2012

Títulos de Dívida Comercial

Quem defende o investimento em contra-ciclo à boa moda keynesiana não se apercebe que essa medida já não é uma solução. Já vimos porquê, no post anterior.

Mas, um dos objetivos da criação de moeda é, claramente, a criação de liquidez que permita a atividade financeira na economia. Ou seja, se criar mais dinheiro não permite reduzir défices e dívidas públicas (pelo contrário...) serviria para colocar tudo a mexer, criando capacidade nos bancos para oferecer a liquidez necessária que permita concretizar pagamentos hoje, por conta de receitas de amanhã. A realidade mostra que o dinheiro não aparece, que os bancos não dispõem e que tudo fica “preso”. Este não paga aquele que, por sua vez não paga ao outro, que não paga ao primeiro, ao fisco ou à segurança social. E, em incumprimento fiscal e/ou social, as empresas não podem receber, pelos serviços e bens fornecidos ao Estado. Um paradoxo...

Que soluções?
Talvez fosse de explorar uma possibilidade:

O Estado emitiria um conjunto de títulos de dívida comercial de reconversão e uso totalmente fechado.

Com o acordo dos seus fornecedores, o Estado poderia pagar-lhes através destes títulos. Numa parte ou no todo da sua dívida. Esses novos “papeis” virtuais não seriam reconvertíveis nem vendáveis e serviriam, apenas e exclusivamente, para o pagamento de impostos e segurança social. Este mecanismo permitiria resolver o eterno problema em que não é possível fazer “encontro de contas” com o Estado e com os seus organismos centrais, regionais e locais (quando estes são simultaneamente devedores e credores).

Cada contribuinte teria uma “conta” onde se registariam os valores dos títulos detidos. Mais uma vez, anoto: estes pagamentos, através destes títulos, apenas seriam possíveis com o acordo do fornecedor. O Estado, por outro lado, aceitaria sempre o pagamento de impostos e segurança social por esta via.

Mas, ir-se-ia mais longe: o movimento de valores entre contribuintes seria possível. Um movimento feito sobre as “contas” dos mesmos e com, exatamente, os mesmos fins.

Se é verdade que esta possibilidade não resolve os problemas do défice e dívidas do Estado, o certo é que resolveria muitos problemas aos agentes económicos e às empresas. Na equação Estado-Economia, o segundo interveniente teria enormes mais-valias, pois uma parte importante das relações financeiras poderia avançar sem liquidez real (ou libertando a pouca que existe para outros efeitos) que, sabemos nós, será muito difícil de repor aos níveis de anos atrás…

Aproximamo-nos cada vez mais da economia básica da troca e pronto-pagamento. Mas perante a escassez de liquidez, são precisas soluções. Claro que os lóbis bancários e do sistema de mercados financeiros internacional não vão gostar. Mas será preciso virarmo-nos para algum lado…

março 03, 2012

Liquidez, onde?




Entretanto os Keynesianos pedem por mais e os alemães, por menos.

Por fim, Zilma queixa-se do tsunami monetário provocado pelos países desenvolvidos e que prejudica os emergentes.

Todos têm razão e todos estão errados.

A verdade é que, sem qualquer solução eficaz para os problemas que enfrentam, os países desenvolvidos ganham tempo e adiam a rotura. Criando liquidez. E injetando dinheiro na economia.

Mas, então, o que corre mal?

É simples. As economias atuais, nomeadamente as desenvolvidas, estão estruturalmente muito abertas, tanto à aquisição de bens externos (são a causa base dos seus défices e dívidas) como à colocação (fuga e saída) de recursos financeiros para onde estes ficam mais seguros e garantem maiores rendimentos.

Ora, numa economia desenvolvida, muito terceirizada, num ambiente de austeridade, o dinheiro deixa de ser gasto nos serviços não essenciais (onde está centrada muita da economia “desenvolvida” - negócio e empregos) e o consumo acaba por ser feito no essencial e básico (alimentação, energia e indústria), que, na maior parte das vezes se compra … fora. Afinal, muitas das políticas (comunitárias) dos últimos anos, têm valorizado e promovido a redução dos setores primários e indústria, valorizando os serviços (incluindo, e em força, também nas áreas da cultura, entretenimento,lazer, etc).

Assim, a liquidez colocada na “rua” pelos bancos centrais acaba nos países emergentes que produzem aquilo que é essencial e não acessório.

Acaba em novos títulos de dívida de países com muitos problemas (por obrigação, sendo uma das “condições” dos bancos centrais no acesso à liquidez).

E, a restante, assim que “toca” na economia e se transforma em poupança ou disponibilidade (por muito pontual que seja) é colocado pelas instituições bancárias que se prezam, onde ficará mais segura e for mais rentável. Ou seja, mais uma vez, longe dos países desenvolvidos, ou seja, na China, Brasil e outros países, onde há crescimento real.

É como deitar água fria para arrefecer chão quente num dia de calor e muito sol. Evapora-se logo… por muita água que se lance.

Depois, teremos as consequências...

Inflação e desequilíbrios. Pois esse dinheiro, impresso e criado a partir do nada, paga-se sempre. Pois se é verdade que se compram Iphones e LEDs com papel impresso na hora, esse papel (agora com valor, concedido por FEds e BCEs e outros) voltará, irremediavelmente, nas mãos de investidores vindos dos países emergentes, para comprar dívida americana ou empresas de electricidade portuguesas. E muito mais. 

Pelo que, neste processo, se trocam electrodomésticos por dependência financeira (e dependência, em absoluto, quando a financeira crescer demais) e por empresas nacionais que valem alguma coisa. 

Convenhamos que não é nada seguro…