dezembro 23, 2011

A Quimera do Crescimento


Continuamos na gestão da ilusão.
Da ilusão do crescimento

Era bom que quem nos governa, quem nos governou e quem a eles se opõe, deixasse de tretas.

O Mundo está todo a se ajustar.
Não só Portugal, não só a Grécia.
(e - veremos - o ajuste mais difícil será o dos maiores, mais crescidos…)

O Mundo dos países desenvolvidos é só uma parte do Mundo. Uma pequena parte.
A maior parte da população mundial ainda aguarda a vez, para aceder à sua parte da produção (e riqueza mundial).

A Globalização (ligando e conectando tudo, através da informação, da comunicação, dos transportes, do comércio) veio criar as condições para que tal ajuste se faça.

E, como em todos os sistemas de troca de “calor”, quando os vasos comunicantes se estabelecem, o calor transfere-se e a temperatura tende para o equilíbrio. Aquecendo as zonas mais frias e … arrefecendo as zonas onde tudo estava mais quente.

O processo está em pleno movimento. E já ultrapassou o ponto de “não retorno”.
E podem bem os países desenvolvidos espernearem e protestarem e procurarem “crescimentos”. Não acontecerá.

E quanto mais tarde reconhecerem, que o que há a fazer é retardar e atenuar o “arrefecimento” incontornável, pior será. Uma queda suave e socialmente controlável poderá se tornar numa rotura brutal e anárquica.

Mais uma vez, há muitas centenas de milhões de chineses, indianos, brasileiros e outros a iniciarem o “seu tempo”. Conquistando o trabalho e a produção (e com eles, a riqueza) mundial.

Nos países desenvolvidos, a ilusão é evidente. Mantêm-se os níveis de vida à conta de mais e mais empréstimos, défice e dívida. Enquanto o trabalho se deslocaliza. Iludem-se todos com “crescimentos virtuais” e anémicos de 1, 2 ou 3% do PIB, sem se considerar os défices de 7, 8 e 9% do PIB que os suportam.

Gostamos todos de LEDs gigantes e IPHONES a 300 dólares. Mas, para aceder a isso, só quando esses equipamentos são produzidos na China (ou semelhantes) e, assim, teremos riqueza (estrutural) a passar de um lado para outro...

E não há engenharias financeiras do FMI, Fed, BCE, FEEF, UE e outros que superem isto. Na prática e por detrás de todas essas “soluções”, estão sempre fundos e financiamentos dos “mercados”: Maioritariamente de quem tem excedentes e poupanças. Maioritariamente de quem (dos países que), gradualmente tomaram conta da produção mundial.

Pelo que teremos que:

1)Viver com o que produzimos, sem mais tretas… Com défices estruturais e comerciais a zero. Estancando imediatamente o crescimento da dívida. Para isto, é necessário reduzir o consumo, nomeadamente o de produtos e serviços produzidos externamente. E isto pode ser conseguido, também, com redução de rendimento disponível. Como consequência, vamos reduzir os nossos níveis de vida. Pelo menos 20%. Em média…

2)Sem défices, a dívida subsiste por si só. Sem défices, vivemos por nós próprios. Sem défices, podemos renegociar o pagamento das dívidas. Ajustando as taxas (Euribor) e os prazos de pagamento (a 30 anos, por exemplo) como bem nos aprouver.

3)Teremos que produzir para consumir. Produzir para evitar importar. Produzir para exportar. Porque só estes excedentes produtivos nos permitirão aceder aos bens que não produzimos e que não temos. Energia, acima de tudo...

4)De nada servirá trabalhar mais se o que produzirmos não servir para nada. E se essa produção não for vendável (devido ao preço ou à qualidade). Se não for transacionável...

5)Poupando. Para que a poupança permita e alavanque novo investimento.

6)Inflectindo no processo actual de distribuição do trabalho. Pois, até que renasçam os sectores primários, teremos pouco trabalho. E, por algum tempo, haverá cada vez menos. Os países não aguentam por muito tempo, muito desemprego. E antes que haja uma rotura social, haverá que dividir mais e melhor o trabalho restante. Cada um ganhará menos (em função da redução do trabalho) mas haverá mais empregados e menos desempregados.

7)Entender que as medidas de mais (meias) horas de trabalho diário, menos feriados, menos férias e reformas mais tardias, de nada adiantam. Bem pelo contrário, face a uma economia que trabalha abaixo da sua capacidade máxima e tem mão de obra disponível, parada. Aquelas medidas concentram o (cada vez menos) trabalho disponível em cada vez menos pessoas. Mais desemprego, mais despesas sociais (ou, pior, em alternativa, rotura social incontrolada…)

Precisamos de mais realismo. Temos que entender que já está ultrapassado o paradigma do crescimento económico. Pelo menos nos países desenvolvidos. Esses já cresceram para além do razoável. Pelo que só têm uma direcção a seguir: a da queda. Resta saber com que velocidade e até onde… 

Terão a palavra os nossos governantes.

O discurso da redução dos níveis de vida (e da recessão) não precisa de ser negativista.
Até porque, negativo mesmo é cairmos numa rotura e numa queda incontrolável num poço sem fundo. Em oposição a isto, teremos um ajuste (em baixa, sim, mas) gradual e socialmente controlado. 

Precisamos de governantes que entendam e transmitam isto. 

Caso contrário…

9 comentários:

Oscar Maximo disse...

Concordo com tudo aqui, e costumo dizer; Sempre que há crescimento real, o caudal de energia utilizável sobe. Como esse caudal não pode subir, de certeza que não há crescimento agregado. Agora, só crescem uns á custa dos outros. Sem crescimento não há juros, sem juros não há estes bancos. Mesmo que digam que estão bem hoje confortáveis, irão á falência amanhâ.

Talvez... disse...

Só tem umas falhas aqui e ali... deixe que lhe faça uma pergunta:
1. Quandos os chineses exportam para os Estados Unidos (desde o euro que os EUA são um exemplo muito menos complicado), o que é que eles recebem em troca?

Gonçalo disse...

Agradeço a pergunta e mais ainda, agradecia a anotação das falhas que considera haver no texto. Apenas para consolidar ainda melhor as ideias, para reflexões e exposições futuras.
A China tem tudo a ganhar.
As exportações para os EUA são ganhos de mercado significativos. E são ganhos de tecnologia, de trabalho, emprego, etc.
E mesmo que a riqueza e poupança (agora) na China se aplique nos EUA (títulos de dívida, aquisições de empresas, etc), os americanos devolvem-na logo, no pagamento de mais e novos bens e serviços chineses (de volta). No final desde circulo, está criada a dependência do credor sobre o devedor... e tudo - no futuro - advirá daí.

Talvez... disse...

Caro Gonçalo, creio que as falhas são no raciocínio.

A China exporta muito para os Estados Unidos, recebe dólares em troca, certo?
Então, o que é que acontece? A China e os Chineses produzem bens e serviços de que não estão a usufruir - em troca de LEDs, de plasmas, etc. recebem umas folhas de papel (nem tanto, hoje está tudo no computador). Em termos práticos, quando um Americano compra um contentor a um exportador chinês, o FED muda põe uns números na conta da China e tira uns números da conta dos Americanos. Em termos práticos, foi a China que ficou com menos uns LCDs ou seja o que for, em troca de... nada.Diria que são os Estados Unidos a fazer um negócio da China.

É verdade que na Europa e nos Estados Unidos há desemprego. São recursos que estão por utilizar, e que dizer que os países desenvolvidos poderão produzir mais e ter mais prosperidade. Mas a prosperidade advém do pleno emprego e não de uns défices ou superavits.
Há um problema com os défices e superavits públicos que tem vindo a ser ignorada nos media e no sector político que é, quem paga? Se num dado espaço de tempo saem 22 mil milhões de euros para o estrangeiro e (imaginemos que o Governo Português obtém um superavit de mil milhões) o Governo tira mil milhões de euros, de onde é que vem o dinheiro?
O défice de um é o superavit de outro.

Quanto ao défice, há uma também uma grande questão, que faz toda a diferença:
Estaremos no euro ou no escudo? É que estando num escudo, o défice e a dívida pública não devem ser motivo de preocupação (contando que essa dívida esteja em escudos). Estando no euro, pois bem, estamos condenados a uma recessão profunda.

Gonçalo disse...

Não será tanto assim.
A verdade é que a criação de papel moeda ou a emissão de dívida é um estratagema que pode resolver uma situação pontual de curto prazo.
Mas não passa de um esquema de ponzi (Dona Branca) que acabará por ser pago (por alguém) no futuro.
Os Chineses vendem LCDs e recebem de troca papel moeda (dólares) recém impressos ou como escreveu uns números a menos ali, a mais acolá.
A verdade é que esse papel ou esses números, no momento em que são validados pelo FED passam a valer MESMO. Com isso, os Chineses podem vir aos EUA ou a qq outro local e comprar o que quiserem (ouro, petróleo, produtos, tecnologia, alimentos).
Trocam efectivamente LCDs por quaisquer outros bens.
Actualmente e pacientemente, estão a trocar os LCDs por dívida Americana. Papeis, sim, enquanto e até quando eles quiserem...
Na altura devida, devagarinho, podem começar a tirar o tapete.
Já começaram a fazer isso na Europa. Depois, com a crise instalada, começam a comprar as EDPs, as Siemens e a General Motors...

Talvez... disse...

Ora, exactamente, o dólar tem valor nos Estados Unidos para adquirir aí, bens e serviços. Ou seja, os dólares só tem utilidade à China para que eles possam comprar dos Estados Unidos no futuro. Neste momento, trocam LCDs por bens futuros. Com um senão - se o vendedor futuro quiser vender. Não seria a primeira vez que o regulador de mercado norte-americano impede a entrada de Chineses no capital de empresas estratégicas norte-americanas.

Mas há outro ponto que descobri em pesquisas que fiz recentemente - a despesa do Estado precede necessariamente a obtenção de receitas. Aliás, pensando bem, nem era precisa pesquisa para chegar a esta conclusão, mas eu nunca tinha pensado nisto antes. Por isso, a criação de moeda sucede de cada vez que um Estado emissor de moeda faz despesa, e a obtenção de receitas é a destruição de dinheiro. Pense nestes termos: Com que é que se pagam impostos ou compra dívida pública? Com moeda
De onde vem a moeda? Do Estado, a nota até tem a assinatura do Governador do Banco Central e tudo. Por aqui se compreende que um Estado nunca está limitado por receitas e despesas - porque o dinheiro vem originalmente, do próprio Estado.

A criação de moeda não é uma situação pontual de curto prazo - acontece de cada vez que o Estado gasta.
A quantidade de dinheiro costumava ser restringida pelo padrão-ouro. Hoje, não há padrão-ouro para assegurar e por isso as limitações que antes se impunham e que continuam a dominar o pensamento político e económico (inclusive nos Estados Unidos).
Na zona euro, é diferente. Aqui, os Estados estão limitados pelas receitas que obtém.

Eu compreendo que isto possa suscitar dúvidas - a mim suscitou-me bastantes quando descobri isto, nomeadamente em termos de inflação (e vim a descobrir a falta de correlação entre quantidade de dinheiro em circulação e inflação - posso indicar-lhe uns gráficos muito esclarecedores a esse respeito).

Nota: a China detém cerca de 8% da dívida pública norte-americana.

Gonçalo disse...

O devedor só tem força quando deixa de ter défice. Enquanto for deficitário a dívida pesa mesmo até porque não para de crescer.
Nessa base é difícil impedir qualquer compra. Mesmo quando se tratam de "pérolas" e empresas de interesse nacional. É ver a EDP e a satisfação que por aí grassa quanto à venda e à diversificação na origem do dinheiro. Claro que não entendem que o dinheiro só vem e só pode vir de onde há excedentes. E esses, só dos países emergentes.
Mesmo quando se emite dívida, tem de haver quem a compre. E só a compra quem tem excedentes. Mas é tudo uma "pescadinha de rabo na boca". Dá sempre a volta. E quem emite a dívida acaba por a pagar. O dólar beneficiou muito da sua internacionalização (quase sem oposição em muitos anos). Aí, a criação de moeda era "absorvida" (inflação) por todos os que, no exterior dos EUA a detinha. Esbatendo os efeitos nos EUA. Agora, o Euro é concorrente e outras moedas também. E se há muita emissão, a moeda deprecia-se mesmo, contra as restantes. Aí, a aplicação em dólares e em dívida americana desvaloriza-se, arriscando-se (os EUA) a uma debandada que pode determinar uma crise igual à da Grécia...
Na Europa, a Alemanha tenta controlar a emissão de mais moeda. Mas não conseguiu. E o BCE emitiu recentemente quase 500 mil milhões para refinanciar a banca. A 3 anos...

Talvez... disse...

«Mesmo quando se emite dívida, tem de haver quem a compre.»
É precisamente aí o cerne da questão. Não é necessário emitir dívida. E mesmo que se decida emitir, quem decide as taxas de juro não são os mercados, mas o Banco Central (aliás, o grande detentor de dívida norte-americana é o FED).
E a depreciação da moeda não afecta a sua capacidade de obter financiamento nessa mesma moeda, como nos mostra, por exemplo, o Japão, que se financia a taxas mais baixas do que o Reino Unido apesar de ter uma moeda que vale muito menos.

Gonçalo disse...

Quando é emitida dívida tem de haver quem a compre. Quando se emite moeda, esta ganha aí o valor necessária para ser "trocada" por quaisquer bens ou serviços. Ou por mais dívida que seja emitida.
Sim. O FED cria moeda e compra dívida americana.
A depreciação de moeda não afecta a capacidade de obter financiamento, mas as razões que levam a essa depreciação (inflação, criação de mais moeda, mágovernação) pode levar a isso.
Muitos ienes compram poucos euros e ainda menos libras. Mas não é o valor absoluto da moeda (quantitativo cambial de troca) que determina a força da mesma. O euro pode se depreciar muito face ao iene (ficando frágil) sem nunca se aproximar (e ficando muito longe) do quantitativo cambial que as relacionam.