dezembro 28, 2011

Carta de Intenções - Madeira paga tudo

Estão definidas as linhas base do acordo entre os Governos Central e Regional com vista ao resgate das finanças madeirenses, em situação delicada face aos problemas de tesouraria.

Como era de esperar, os madeirenses vão sentir a austeridade de forma bem mais intensa que os restantes portugueses. Não porque serão mais sobrecarregados (as taxas a aplicar serão equiparadas às do Continente), mas apenas porque partem de níveis de carga fiscal mais reduzidos (beneficiavam de taxas inferiores em 30%). Assim, o esforço será maior.

Todos terão razão.
Nem Jardim “perde em toda a linha”, nem a Autonomia terminou.

Afinal, tal como se verifica no resto do País, chegou o momento de pagar por todo o usufruto - exagerado - ocorrido ao longo das últimas dezenas de anos. Sendo de notar que será mais facilmente perceptível aos madeirenses o esforço que terão de fazer para pagar pelas infra-estruturas que se construíram na Região, do que entender a austeridade nacional para suportar défices que se originaram, não em investimentos na construção de estruturas para utilização futura, mas na subsidiação de serviços que só beneficiaram alguns, em tempos que hoje, já são passados (é o caso de empresas públicas de transportes e outras - em Lisboa e Porto e ainda, os ruinosos programas das energias "verdes") e que agora terão de ser pagos por todos os contribuintes nacionais.

A Madeira alinha-se fiscalmente com o Continente, hipotecando grande parte da sua Autonomia que fica suspensa. Um processo ao nível do que aconteceu com o País no seu todo, com a Soberania nacional colocada nas mãos da Troika, a troco do empréstimo de 78 mil milhões de euros inscrito no Memorando de Entendimento.

Politicamente, tal como o Governo da República aponta para a Troika quando se trata de aplicar medidas difíceis (sabemos bem que a Troika limita-se a transcrever para o memorando - MoU - tudo o que o governo quer implementar, ajudando-o no processo e assumindo o peso das culpas), o mesmo se passará a este nível, na Madeira. Passos Coelho e Gaspar não se livrarão do papel de troikanos na Região. A menos (o que já se vai assistindo) que até este processo se transcreva para o MoU. Aí, as costas largas da troika também passarão a suportar este ónus (mais político que financeiro).

A verdade é que Autonomia hipotecada não significa Autonomia perdida. Se for possível ultrapassar esta fase mais aguda (2 a 3 anos), a Madeira sairá bem mais forte, podendo recuperar o exercício autonómico para os níveis anteriores a este processo e, quem sabe, bem mais do que isso. Afinal, os madeirenses pagarão, por inteiro, tudo o que usufruíram nos últimos anos e todas as infraestruturas que dispõem. O que lhes dá outra segurança e garantia para passos futuros. Demonstrarão – também a si próprios – que poderão não precisar de outros… O ministro Álvaro Pereira escreveu isto - ou parecido - no seu livro pré-nomeação.

Apesar de ainda não ser um documento final, algumas notas:

1.A não “regionalização” da receita extraordinária em 2011 referente a meio subsídio de Natal é um caso pontual grave. Distorce todas as regras base e demonstra prepotência central que ficará registada na memória regional futura. Uma decisão pouco acertada.

2.A não consideração para com o Centro Internacional de Negócios da Madeira é, também, totalmente incompreensível. E tem muito peso. Não tem qualquer sentido deixar cair o CINM, para além do revanchismo contra a Região que a decisão aparenta. Penaliza-se a Madeira (que é território nacional) em benefício exclusivo de praças internacionais, algumas das quais, europeias. O caso do procedimento da CGD é revelador. Mais uma situação desnecessária e que ficará anotada na Região. Desnecessariamente...

3.O IVA a 22% é mera salvação da face dos negociantes regionais. O ponto de diferença é de impacto mínimo e só criará complicação aquando da realização das contabilidades. Podia ser equiparada à taxa nacional por troca de outra qualquer medida compensatória (ver ponto seguinte). Afinal, a receita do IVA, é regional.

4.O Turismo é outro dos problemas. A única indústria que "exporta dentro" é penalizada com um IVA não dedutível. O problema é nacional, mas a dependência regional (cerca de 30% do PIB) é superior. Seria determinante que o IVA referente às dormidas e pacotes que as incluíssem pudessem ver aquele imposto devolvido (revertido) ou com taxa nula.

5.A limitação no valor dos investimentos é aceitável. Obrigará a um esforço grande na respectiva divisão pelos vários sectores, sabendo que a prioridade será sempre nas obras de recuperação da catástrofe de 2010 (Lei de Meios que se alonga no prazo de aplicação). Simplesmente, espera-se que os 150 milhões/ano não se esgotem nas obras da Lei de Meios e permitam a execução dos programas comunitários...

6.Os níveis fiscais sobem para os níveis do resto do País. Serão novas receitas regionais que permitirão ajudar no equilíbrio das contas públicas. O Governo Regional perde qualquer capacidade de endividamento. Tal como se faz com as empresas públicas, será o Tesouro a financiar as necessidades pontuais que possam advir (são 80 milhões de euros nos próximos dias). Não se espera que Gaspar trate pior a Madeira do que trata um "metro" regional (de Lisboa ou Porto)...

7.Para além do impacto (negativo) no Turismo, o peso do novo IVA, sobre os consumidores madeirenses, apesar da taxa inferior em um ponto (22%), será bem superior ao dos continentais, face aos custos dos bens e serviços estarem empolados pelos transportes e por mais um degrau comercial. Para se melhor entender, 23% sobre 100 euros é sempre menos que 22% sobre 120 Euros (pelo mesmo bem ou serviço). Neste aspecto, a DECO, nas suas análises comparativas de preços, ajudaria bastante à percepção da situação, colocando todos preços em paralelo e não separasse as Regiões, considerando-lhes índices de preços específicos.

8.Não serão introduzidas portagens nas vias rápidas (não há auto-estradas na Madeira). Em contrapartida o ISP será superior. Na pratica, não se aplicará (talvez mal) a lógica do utilizador-pagador, sendo os investimentos feitos no passado, agora pagos por todos os consumidores de combustíveis que ficarão mais caros que no resto do País. A alternativa dos chips (e não dos pórticos de portagens clássicos) poderia ser analisada, por ser um modelo mais justo e de aplicação simples e rápida. Afinal, as viaturas, na Região, estão limitadas geograficamente, não existindo o problema dos veículos externos, ao País e às regiões, nas ex-SCUTS continentais. O sistema de portagens clássicas é inaplicável devido aos custos de investimento (27 nós em 40 quilómetros).

9.Na Saúde, diz-se que não se aplicarão taxas moderadoras, mas sim taxas racionalizantes... Ora, é o mesmo. Os apoios sociais sofrerão uma “conformação” com o que se aplica no resto do País. O que configura a perda de diferenciação que era permitida pela Autonomia.

10.Na Educação o problema será mais grave face aos timings. Ao contrário do que se fez no Continente em que o ano lectivo 2011/2012 já foi preparado com base num orçamento de austeridade para 2012, na Madeira, o ano lectivo está a meio e as mudanças só poderão ter efeitos concretos a partir de Setembro. Caso as reduções previstas se apliquem ao ano de 2012 por inteiro (ao orçamento no seu todo) será um beco sem saída. Muito mais se na redução de despesas a consumar não se puder considerar o corte dos subsídios de férias e Natal ao pessoal. Afinal, 85% das despesas na Educação são com pessoal. Reduzir 15% do todo, nos primeiros pressupostos será difícil. Nos últimos, impossível.

11.A “conformação de regras e procedimentos” com o resto do País é um processo de “suspensão” da Autonomia, no que se refere à legislação regional que diferencia (diferenciava). Será iniciado um processo acelerado de revogação de legislação regional e sua substituição por meras referencia à aplicação na RAM das normas e regulamentos nacionais.

12.Avança-se com a devolução de competências fiscais e estatísticas à República. Para além da Gestão da Dívida e da retenção de transferências do Orçamento de Estado, por conta dos excessos de endividamento dos anos passados. Se essa retenção for aplicada na dívida e não como “castigo”, será um mal menor.

13.No referente às despesas com Saúde e Educação que o Governo Regional vem afirmando que são responsabilidades constitucionais do Estado (até agora sempre suportadas pelos orçamentos Regionais), é uma faca de dois gumes. A verdade é que a Educação e Saúde são responsabilidade do Estado. São garantidas por este. Mas não por ele, forçosamente, regulamentadas e financiadas. A região tinha estas competências regionalizadas. Se passar a ser de outra forma, não só se perde o que resta da autonomia (a possibilidade de fazer diferente) nesses dois sectores - se o Estado passa a pagar, então definirá as regras - como descontará das receitas - actualmente - regionais, os custos respectivos.

14.Por saber o seu destino, ficam as despesas públicas regionais com o Desporto Profissional, Jornal da Madeira e Assembleia Legislativa. E os subsídios de insularidade (bastante majorados no Porto Santo).

Em troca, a Madeira terá acesso aos financiamentos que a manterão “à tona”. Espera-se que os fornecedores públicos vejam recuperados os seus prazos de recebimento, com prioridade para as empresas regionais e outras que assegurem pagamentos a sub-fornecedores locais. Os bancos também sairão reforçados, com a resolução de muito crédito disponibilizado à economia regional nos últimos meses e anos. 

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