Estão definidas as linhas base do acordo entre os Governos
Central e Regional com vista ao resgate das finanças madeirenses, em situação delicada face aos problemas de tesouraria.
Como era de esperar, os madeirenses vão sentir a austeridade
de forma bem mais intensa que os restantes portugueses. Não porque serão mais
sobrecarregados (as taxas a aplicar serão equiparadas às do Continente), mas apenas porque partem de níveis de carga fiscal mais
reduzidos (beneficiavam de taxas inferiores em 30%). Assim, o esforço será maior.
Todos terão razão.
Nem Jardim “perde em toda a linha”, nem a Autonomia
terminou.
Afinal, tal como se verifica no resto do País, chegou o momento de pagar por todo o usufruto - exagerado - ocorrido ao longo das últimas dezenas de anos. Sendo de notar que será mais facilmente perceptível aos madeirenses o esforço que terão de fazer para pagar pelas infra-estruturas que se construíram na Região, do que entender a austeridade nacional para suportar défices que se originaram, não em investimentos na construção de estruturas para
utilização futura, mas na subsidiação de serviços que só beneficiaram alguns, em
tempos que hoje, já são passados (é o caso de empresas públicas de transportes e outras
- em Lisboa e Porto e ainda, os ruinosos programas das energias "verdes") e que agora terão de ser pagos por todos os contribuintes nacionais.
A Madeira alinha-se fiscalmente com o Continente, hipotecando grande
parte da sua Autonomia que fica suspensa. Um processo ao nível do que aconteceu com o País no seu todo, com a Soberania nacional colocada nas mãos da
Troika, a troco do empréstimo de 78 mil milhões de euros inscrito no Memorando de
Entendimento.
Politicamente, tal como o Governo da República aponta para a Troika quando se trata de aplicar medidas difíceis (sabemos bem que a Troika limita-se a transcrever para o memorando - MoU - tudo o que o governo quer implementar, ajudando-o no processo e assumindo o peso das culpas), o mesmo se passará a este nível, na Madeira. Passos Coelho e Gaspar não se livrarão do papel de troikanos na Região. A menos (o que já se vai assistindo) que até este processo se transcreva para o MoU. Aí, as costas largas da troika também passarão a suportar este ónus (mais político que financeiro).
A verdade é que Autonomia hipotecada não significa Autonomia
perdida. Se for possível ultrapassar esta fase mais aguda (2 a 3 anos), a
Madeira sairá bem mais forte, podendo recuperar o exercício autonómico para os níveis
anteriores a este processo e, quem sabe, bem mais do que isso. Afinal, os
madeirenses pagarão, por inteiro, tudo o que usufruíram nos últimos anos e todas as infraestruturas que dispõem. O que
lhes dá outra segurança e garantia para passos futuros. Demonstrarão – também a
si próprios – que poderão não precisar de outros… O ministro Álvaro Pereira escreveu isto - ou parecido - no seu livro pré-nomeação.
Apesar de ainda não ser um documento final, algumas notas:
1.A não “regionalização” da receita extraordinária em 2011
referente a meio subsídio de Natal é um caso pontual grave. Distorce todas as regras base e
demonstra prepotência central que ficará registada na memória regional futura. Uma decisão pouco acertada.
2.A não consideração para com o Centro Internacional de
Negócios da Madeira é, também, totalmente incompreensível. E tem muito peso. Não tem qualquer sentido deixar
cair o CINM, para além do revanchismo contra a Região que a decisão aparenta. Penaliza-se a Madeira (que é
território nacional) em benefício exclusivo de praças internacionais, algumas
das quais, europeias. O caso do procedimento da CGD é revelador. Mais uma situação desnecessária e que ficará anotada na Região. Desnecessariamente...
3.O IVA a 22% é mera salvação da face dos negociantes
regionais. O ponto de diferença é de impacto mínimo e só criará complicação
aquando da realização das contabilidades. Podia ser equiparada à taxa nacional por troca de outra qualquer medida compensatória (ver ponto seguinte). Afinal, a receita do IVA, é regional.
4.O Turismo é outro dos problemas. A única indústria que "exporta dentro" é penalizada com um IVA não dedutível. O problema é nacional,
mas a dependência regional (cerca de 30% do PIB) é superior. Seria determinante
que o IVA referente às dormidas e pacotes que as incluíssem pudessem ver aquele
imposto devolvido (revertido) ou com taxa nula.
5.A limitação no valor dos investimentos é aceitável. Obrigará a um
esforço grande na respectiva divisão pelos vários sectores, sabendo que a prioridade será
sempre nas obras de recuperação da catástrofe de 2010 (Lei de Meios que se
alonga no prazo de aplicação). Simplesmente, espera-se que os 150 milhões/ano não se esgotem nas obras da Lei de Meios e permitam a execução dos programas comunitários...
6.Os níveis fiscais sobem para os níveis do resto do País.
Serão novas receitas regionais que permitirão ajudar no equilíbrio das contas
públicas. O Governo Regional perde qualquer capacidade de endividamento. Tal como se faz com as empresas públicas, será o Tesouro a financiar as necessidades pontuais que possam advir (são 80 milhões de euros nos próximos dias). Não se espera que Gaspar trate pior a Madeira do que trata um "metro" regional (de Lisboa ou Porto)...
7.Para além do impacto (negativo) no Turismo, o peso do novo
IVA, sobre os consumidores madeirenses, apesar da taxa inferior em um ponto (22%), será bem superior ao dos continentais, face aos custos dos bens e serviços estarem
empolados pelos transportes e por mais um degrau comercial. Para se melhor entender, 23% sobre 100 euros é sempre menos que 22% sobre 120 Euros (pelo mesmo bem ou serviço). Neste aspecto, a
DECO, nas suas análises comparativas de preços, ajudaria bastante à percepção da situação, colocando todos preços em paralelo e não separasse as Regiões,
considerando-lhes índices de preços específicos.
8.Não serão introduzidas portagens nas vias rápidas (não há
auto-estradas na Madeira). Em contrapartida o ISP será superior. Na pratica, não se
aplicará (talvez mal) a lógica do utilizador-pagador, sendo os investimentos feitos no
passado, agora pagos por todos os consumidores de combustíveis que ficarão mais
caros que no resto do País. A alternativa dos chips (e não dos pórticos de
portagens clássicos) poderia ser analisada, por ser um modelo mais justo e de aplicação simples e rápida. Afinal, as viaturas, na Região, estão limitadas geograficamente,
não existindo o problema dos veículos externos, ao País e às regiões, nas ex-SCUTS
continentais. O sistema de portagens clássicas é inaplicável devido aos custos de investimento (27 nós em 40 quilómetros).
9.Na Saúde, diz-se que não se aplicarão taxas moderadoras, mas sim
taxas racionalizantes... Ora, é o mesmo. Os apoios sociais sofrerão uma
“conformação” com o que se aplica no resto do País. O que configura a perda de
diferenciação que era permitida pela Autonomia.
10.Na Educação o problema será mais grave face aos timings. Ao
contrário do que se fez no Continente em que o ano lectivo 2011/2012 já foi preparado com
base num orçamento de austeridade para 2012, na Madeira, o ano lectivo está a meio e as
mudanças só poderão ter efeitos concretos a partir de Setembro. Caso as reduções
previstas se apliquem ao ano de 2012 por inteiro (ao orçamento no seu todo) será
um beco sem saída. Muito mais se na redução de despesas a consumar não se puder
considerar o corte dos subsídios de férias e Natal ao pessoal. Afinal, 85% das
despesas na Educação são com pessoal. Reduzir 15% do todo, nos primeiros pressupostos será difícil. Nos últimos, impossível.
11.A “conformação de regras e procedimentos” com o resto do
País é um processo de “suspensão” da Autonomia, no que se refere à legislação
regional que diferencia (diferenciava). Será iniciado um processo acelerado de revogação
de legislação regional e sua substituição por meras referencia à aplicação na
RAM das normas e regulamentos nacionais.
12.Avança-se com a devolução de competências fiscais e estatísticas à República.
Para além da Gestão da Dívida e da retenção de transferências do Orçamento de
Estado, por conta dos excessos de endividamento dos anos passados. Se essa
retenção for aplicada na dívida e não como “castigo”, será um mal menor.
13.No referente às despesas com Saúde e Educação que o
Governo Regional vem afirmando que são responsabilidades constitucionais do Estado
(até agora sempre suportadas pelos orçamentos Regionais), é uma faca de dois
gumes. A verdade é que a Educação e Saúde são responsabilidade do Estado. São
garantidas por este. Mas não por ele, forçosamente, regulamentadas e
financiadas. A região tinha estas competências regionalizadas. Se passar a ser de outra forma, não só se perde o que resta da autonomia (a possibilidade de fazer diferente) nesses dois sectores - se o Estado passa a pagar, então definirá as regras - como descontará das receitas - actualmente - regionais, os custos
respectivos.
14.Por saber o seu destino, ficam as despesas públicas regionais com o Desporto
Profissional, Jornal da Madeira e Assembleia Legislativa. E os subsídios de
insularidade (bastante majorados no Porto Santo).
Em troca, a Madeira terá acesso aos financiamentos que a
manterão “à tona”. Espera-se que os fornecedores públicos vejam recuperados os
seus prazos de recebimento, com prioridade para as empresas regionais e outras
que assegurem pagamentos a sub-fornecedores locais. Os bancos também sairão
reforçados, com a resolução de muito crédito disponibilizado à economia regional
nos últimos meses e anos.
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