No post publicado a 4 de Julho “O foco errado: na dívida soberana” propusemos uma série de actuações necessárias para sairmos da camisa-de-força a que estamos sujeitos.
Elencamos 9 áreas de actuação.
Vamos desenvolver, neste post, a segunda:
Criação de
condições para “olear” a economia, sem liquidez.
Temos um
problema sério: desde há mais de um ano, perdemos a confiança dos nossos credores. Estes deixaram de suportar os nossos gastos, sempre acima dos
nossos ganhos. O que nos colocou na senda da bancarrota.
Não só não conseguimos financiar o défice público recorrente (inicialmente, 10% do PIB) como – bem pior – deixamos de poder
refinanciar a dívida (à medida que as suas tranches se iam vencendo).
De uma
forma simplista poderemos dizer que, desde há meia dúzia de anos, o Estado gasta 20%
acima daquilo que recebe (isto se consideramos que o orçamento público gere metade do PIB).
Pior. Neste período, para além do Estado, todos faziam (fazíamos) isso, incluindo particulares e empresas. O dinheiro estava barato e afluía facilmente.
Desde 2011, a austeridade e a ausência de crédito forçaram a um ajustamento dos particulares e empresas. Esse processo colocou a economia de rastos e provocou efeitos devastadores no consumo interno, fez disparar o desemprego (e a despesa social) e provocou uma descida abrupta das receitas fiscais.
O Estado, sem flexibilidade na redução da
despesa (educação, saúde, segurança social, segurança, justiça, juros da dívida
etc), não consegue resolve a questão do seu défice. E entra num círculo
vicioso à procura de financiamento para o "buraco" que não consegue tapar: a dívida pesa, os credores apertam e a carga fiscal aumenta. A economia
volta a retrair-se e libertar ainda menos receitas fiscais, as medidas repetem-se e os problemas crescem ainda mais.
Neste
processo vicioso, as disponibilidades financeiras desaparecem e caímos na “armadilha da
liquidez”. Os bancos secam, as empresas descapitalizam-se, os consumidores
retraem-se, as falências multiplicam-se, o desemprego sobe, as receitas
públicas caiem, os défices eternizam-se, as dívidas crescem. Nada escapa e
todas as medidas tomadas parecem ser inúteis. Ou até, parecem funcionar ao contrário.
O que é explicado pelo ineditismo da
situação. Nunca vivemos uma situação como esta, numa economia em decréscimo, com a globalização a levar o trabalho para outras paragens e no seio de uma moeda única.
As
soluções escasseiam e as restrições ideológicas colocam os intervenientes (os decisores de hoje e os potenciais decisores de amanhã) em pólos opostos. Ambos apresentam medidas corretas e medidas erradas. E, sim, está
em causa a alternativa democrática, tão cara às nossas sociedades. Pois quem chega ao poder o faz à base de mentiras ou, no mínimo, de omissões. E, quando lá chega, contradiz tudo o que
prometeu…
Por outro
lado, os interesses instalados (nomeadamente os dos detentores do capital) são
fortes, limitadores de boas soluções mas ainda decisivos.
No meio de tudo isto, a esquerda (anacrónica) encontra caminho para a sua demagogia. E a rua passa a ter uma palavra. Forte. E acarinhada por uma comunicação social ainda dominada por essa "esquerda". Neste enquadramento, a democracia começa a ficar em perigo.
Precisamos
de uma terceira via que, desligada
das ideologias, partidarites e dos interesses estabelecidos, consiga fazer
prevalecer o interesse das populações. Nem sempre os interesses imediatos e
manifestados, mas os verdadeiros interesses, de médio e longo prazo, que permitem a sustentação de uma sociedade.
Essa
terceira via teria de ser capaz de implementar um cabaz de medidas aceites por uns e por
outros, com perspectivas para resultar. A curto, a médio, mas
principalmente a longo prazo.
A longo prazo precisamos de
trabalho, de produzir e de vender (para poder comprar); a médio prazo
precisamos de atingir equilíbrios (sociais, comerciais e orçamentais); e, a curto prazo, são essenciais ferramentas que adiem as roturas e nos dêem tempo para
implementarmos – e consolidarmos com resultados - as medidas de fundo.
É neste
enquadramento que precisamos de uma nova ferramenta.
1)Precisamos
de moeda. De mais moeda. Mas já não temos a possibilidade de a criar e fabricar.
2)A
economia está seca. Os Bancos tentam recapitalizar-se, enfrentando, eles
próprios grandes constrangimentos. Não emprestam, mesmo tendo dinheiro (a um por cento, vindo do BCE). Não
há espaço para o risco (e nos países desenvolvidos tudo está em risco) nem para o investimento.
3)O
Estado paga mal e tardiamente. E os fornecedores, por essa razão, ficam
inibidos de cumprir – em tempo – com os seus compromissos fiscais e sociais. E por isso, não são pagos pelo mesmo Estado...
4)A
inflação está baixa e aí se manterá se a economia estiver deprimida. Um pequeno acréscimo inflacionista no País, um pouco acima da média comunitária (sempre controlado) poderia introduzir
um elemento de competitividade à economia. Mas teria de ser uma inflação localizada
(no País) sem impactos no resto da zona Euro, como temem os alemães.
5)Os
consumidores perdem rendimentos, não gastam, retraem-se e poupam. A economia ressente-se,
as empresas morrem e o desemprego cresce. E o dinheiro poupado acaba nos bancos
alemães ou melhor, no colchão (afinal ambos pagam 0% de juros), face à insegurança dos investimentos com boas taxas e à
inexistência de taxas atrativas nos investimentos seguros…
6)O
Estado necessita de se financiar a fim de suportar os défices orçamentais,
enquanto procede a um programa de erradicação dos mesmos. Mas não através de
empréstimos agiotas, a 9 ou 10%, a partir dos bancos alemães (via troika) que se financiam a
0%.
7)A
economia já não aguenta mais cortes aos rendimentos da população ou uma subida já estratosferica dos impostos. É necessário
reintroduzir o consumo, mas o bom consumo ou seja, aquele que fica no País, que paga ordenados, mantém empregos, consome produção nacional e … paga impostos.
8)Os
impostos sobem e a economia paralela também. Necessitamos de reintroduzir toda essa
economia no sistema a fim de poder reduzir os esforços dos que já lá estão.
9)A
austeridade cega é como a quimioterapia. Ataca a (por ora) má economia (consumo
de produtos importados) mas também a boa economia (a local, que produz empregos). As
despesas do Estado caem, mas as receitas também… e vem daí, mantém-se o défice.
10)O
Estado está a ir longe de mais (e rápido demais) no que se refere à austeridade
que está a impor. Em parte porque perde receitas sucessivamente e não consegue aceder a outros fundos e recursos
financeiros. Precisa de inverter a situação, procurando outras fontes. E
precisa de tempo para aliviar a
economia e os cidadãos, um pouco que seja.
11)Não
podemos sair do Euro. Isso seria uma emenda pior que o soneto. De imediato e de supetão
empobrecíamos a sério. A situação actual logo pareceria uma brincadeira de
crianças.
12)O
Estado está a actuar desequilibradamente, retirando mais aos funcionários
públicos do que aos restantes contribuintes. E tirando muito (e demais) a
todos.
13)O Estado não tem que objectivar défices de 3%. Nem de 2,5%. Tem que caminhar para o equilíbrio. Só assim a dívida se estabiliza e se pode passar a gerir. Se aí chegarmos, a questão do pagamento da dívida passa a ser efectivamente secundária (e não é preciso tirar um curso em Paris para aceitar isso).
Haverá um instrumento que lhe permita a reposição do equilíbrio
necessário sem prejuízo – imediato - da tesouraria pública?
Não há.
Não conhecemos.
Mas talvez
fosse possível cria-lo …
A moeda
fiscal virtual (títulos fiscais)
É um instrumento monetário e
fiscal, provisório, enquanto o ajustamento do país se concretiza. Destina-se a olear a
economia e ultrapassar a “armadilha da liquidez” numa situação de não detenção
de moeda própria.
[entretanto as disponibilidades cedidas pela troika ficariam alocados à “defesa” dos credores, que entendessem por bem vender os títulos - ver mais à frente - com alguma penalização associada]
Este novo instrumento será uma nova forma de financiamento público muito parecido com a emissão
de moeda. Serão títulos de dívida pública especiais. Esse financiamento público seria seguro, muito controlável e distinguir se-ia de tudo o que conhecemos pela sua agilidade. O valor colocado no mercado nacional (é só a este que se destinaria) ficaria limitado a
valores máximos, constantes de um plano plurianual de erradicação do défice (que não se destina a atingir um valor de 3%, mas sim zero).
Esses títulos (ou a verba que libertará) financiariam o défice público (decrescente), os
quantitativos respeitantes ao pagamento dos juros da nova dívida e o alívio da
austeridade agora imposta, na parte fiscal, social e na política de rendimentos (potenciando a economia).
Algumas
medidas cirúrgicas poderiam ser aplicadas. Por exemplo, reduzindo o IVA na
restauração, por esta ser determinante para o turismo e ser parte da boa
economia na criação de emprego e no consumo de produtos nacionais.
Esses títulos teriam uma existência provisória (enquanto durasse o plano de ajuste) e existiriam virtualmente em contas simples (iguais a qualquer conta bancária) alocadas a cada contribuinte (através do seu número de identificação fiscal). Em servidores controlados - ao milímetro - pela Direcção Geral do Tesouro.
Essas contas ficarão sujeitas a
movimentos, iguais aos de qualquer conta bancária.
Cada título valerá um euro e a conta seria movimentada, em termos comerciais, de forma simplificada, com o Cartão de Cidadão, através de leitores iguais aos de multibanco.
Estes títulos não são convertíveis para moeda real (Euros), mas serão utilizáveis no pagamento de serviços públicos,
impostos e contribuições sociais através do CC (Cartão de Cidadão).
O CC será utilizado como porta-moedas electrónico, no pagamento, pelos cidadãos, de despesas
básicas (aluguer, água, electricidade telefone, supermercado, transportes
públicos) com base na conta em questão.
[A questão técnica deverá ser de
simples implementação,
permitindo movimentos financeiros com o cartão de cidadão (que foi - também - criado com estes pressupostos) ou sobre a internet, em sites habilitados. A PT, a Universidade de Aveiro e outros players nacionais resolveriam a questão técnica num ápice]
O Estado poderá se financiar desta forma obtendo, na prática, os efeitos da criação de moeda (sem a criar) com capacidades de transacção limitadas ao País e de forma muito contida
e controlada (pois dominará o seu valor acumulado, na economia). Esta “moeda” ficará
garantidamente a circular na economia local, oleando-a, sem qualquer perigo de
acabar nos bancos alemães ou debaixo do colchão.
A qualquer momento, a DGT poderá retirar ou acrescentar mais disponibilidades ao sistema, sempre balizado por um plano de erradicação
do défice, validado previamente pela Assembleia da República.
Pressupostos
O Estado poderá pagar, por esta
via (títulos), aos seus fornecedores até uma determinada percentagem da aquisição concretizada. Ou,
por acordo com os mesmos, até num valor superior. A vantagem: pagamento na
hora.
O Estado - também - poderá pagar
os seus funcionários e pensionistas, até um determinado valor, neste sistema. O
que lhe permitiria repor, atenuando a austeridade, de imediato, um ou ambos os subsídios retirados
(mas, agora, se possível, já diluído nos vários salários mensais).
As empresas privadas poderiam
fazer o mesmo e pagar os seus funcionários até um determinado valor percentual
das suas remunerações, através destas contas no Tesouro (que seriam providas por pagamentos do Estado ou transferências - pagamentos por serviços prestados - a partir de outros contribuintes).
Assim, o Estado obtém o efeito de colocar “moeda” na economia sem o fazer na realidade. Na quantidade que entender por bem (limitado pelo já
referido plano de erradicação do défice).
Por comum acordo, as empresas
poderão fazer transferências desta “moeda”, para satisfação de créditos entre
elas.
O “encontro de contas” entre o
Estado e as Empresas no que respeita a pagamentos de fornecimentos e ao pagamento
de impostos e contribuições sociais passaria a ser um problema do passado. Tudo
se agilizaria.
Nota: poderia ser considerado um segundo nível na "conta" do contribuinte. Se necessário. Onde se colocariam valores de poupança. Títulos fiscais, na mesma, mas só movimentáveis ao fim de cinco anos com ou sem juros acrescidos (talvez, neste nível, um juro Euribor fosse razoável para estes títulos patrióticos). Sim. Esta seria uma poupança "forçada". Pois esses valores, destinados ao financiamento do défice público, no período de ajuste, só venceriam (passando para as contas regulares de cada contribuinte) ao fim desses cinco anos. Poderiam, no entanto, "circular" entre contribuintes, na resolução de créditos entre eles. Na lógica de que mais vale um título a cinco anos que uma dívida incobrável...
Receber títulos a cinco anos em vez de um corte de um ordenado (subsídio) ou ainda, de ajustes do IRS no valor de um salário cairia sempre bem aos contribuintes. Será sempre uma muito melhor alternativa em relação aquelas que estão actualmente no terreno. E a economia e os cofres do Estado agradeceriam ao mesmo tempo...
Este sistema permitiria mais alguns
truques:
Por exemplo, o pagamento imediato
de contas vencidas. Daquelas que emperram todos os tribunais (comunicações e
outras do tipo): a partir de uma determinada data, o valor devido e não pago, acrescido
de 10%, seria alocado a uma conta paralela, acessória, do contribuinte devedor (inamovível
por este). Se não for contestada num determinado prazo seria transferida para o
fornecedor. O sistema de satisfação de créditos de baixo valor, assim activado, cobraria 5% pelo serviço e o fornecedor seria bonificado com outros 5%, a título de multa e juro por atraso de pagamento. Estes valores
aplicar-se-iam para se obterem efeitos dissuasores.
Seria superado o “velho” problema
(de enorme incongruência fiscal) que o Orçamento 2013 promete superar (veremos), em que uma empresa que factura e não é paga
pelo seu serviço tem que antecipar a entrega do IVA que não recebeu. O mais caricato é que a primeira, devedora, deduz
aquele IVA na sua contabilidade (sem o ter pago) mas é o credor (não pago) que acaba chamado a depor nos tribunais se não paga o IVA que não recebeu. Com este instrumento, após um
determinado prazo e sem cobrança efectiva a “conta” do cliente seria
imediatamente debitada para a conta acessória, seguindo-se o procedimento atrás
indicado, no exemplo das dívidas dos telemóveis.
No final do processo de ajuste, digamos, ao fim de 5 anos, o “tapete” (os títulos de dívida especiais) poderiam ser retirados simples
e gradualmente, da economia…
A menos que esta via se revelasse
um bom instrumento financeiro que permitisse o financiamento do Estado
internamente, “fugindo” aos mercados financeiros externos que já demonstram, não são minimamente adaptáveis a situações como a que vivemos.
E tudo isto sem prejuízo de todos
os benefícios da manutenção no EURO.
Nota: quem estiver demasiado "preso" aos bancos comerciais poderá ver aqui, um sistema concorrente e ficar tendente a negar esta alternativa (onde os bancos não entram). Mas, a verdade, é que os Bancos são os instrumentos, no terreno, da moeda clássica, ao serviços das relações financeiras e comerciais globais. E esses Bancos, como instrumentos globais não se ajustam às situações (com grande especificidade local), como a que vivemos neste momento. Resolvendo (mal) - ou não resolvendo de forma alguma - as necessidade locais e nacionais, nestes casos. O que origina um "défice instrumental" evidente. Que pede inovação ...
Os sistemas financeiros internacionais funcionam. E funcionam bem nas matérias para as quais foram criados e moldados. Nomeadamente, suportando o comércio global. Mas não "chegam". Numa situação - como a presente - que apresenta um potencial de alastramento a todo o mundo desenvolvido. Não nos iludamos com a ideia que os EUA e a Alemanha estão imunes. Não estão e quando a situação eclodir, os mercados financeiros mundiais não serão, mais uma vez, solução.
Aqui fica uma sugestão. Obviamente carecida de ajuste e formatação legal...