março 12, 2014

Reestruturar a dívida

A verdade é que ao produzir um Manifesto e ao referir uma reestruturação da dívida, este grupo de ex-responsáveis e políticos só se poderão estar a se referir à possibilidade de não a pagar ou, no mínimo de pagar menos.

Ora, é evidente que não cabe a quem deve (exclusivamente) decidir se quer ou não pagar...

E ao decidir por essa via, enfrentaremos reações óbvias. E que serão todas negativas pois ainda vivemos em défice (e por isso precisamos todos os anos de financia-lo) e dependemos muito do exterior (energia e muitos bens transacionáveis que não temos por cá).

E não vale a pena dizer que reestruturar é reduzir juros e aumentar maturidades pois isso está a ser feito, todos os dias, pelo Governo. Afinal os últimos leilões e colocações de dívida tiveram esse efeito. Sem falar no facto de que são estas políticas (contestadas pelos signatários) que têm vindo sistematicamente a permitir a redução - pela confiança dos mercados financeiros no nosso processo -  dos juros exigidos, o que permite o refinanciamento da dívida em condições bem mais vantajosas para o País. Se é ista a reestruturação da dívida proposta, não era necessário (ainda por cima agora, no final do plano de ajustamento) manifesto algum...

E quanto à dívida em si?

Neste assunto, acho que podemos concordar com o "pai da dívida" (José Sócrates): a dívida pública não se paga, mas gere-se. Só que, infelizmente, isso só é possível se o défice for nulo.

Ora, só se anulam défices (nomeadamente o das contas públicas) aumentando impostos e/ou reduzindo despesas. Tudo o resto é poeira para os nossos olhos. Principalmente as ilusões de crescimento.

O aumento dos impostos permitirá manter o Estado na sua dimensão atual. Mas isto é uma verdade "curta" defendida pelos signatários "cigarras"...

O corte das despesas reduzirá o Estado, naquilo que faz e no que produz. Dirão as "formigas". Ora, menos Estado Social (ou o seu desmantelamento, utilizando a verborreia "cigarra").

Avaliando friamente, parece que podemos ir por qualquer dos lados. Consoante formos de esquerda (cigarra) ou de direita (formiga). Verdade? Falso.

A primeira opção choca com uma realidade simples: não há espaço para mais impostos. E até estes, os atuais, estão a pressionar de tal forma a economia que esta acaba por mirrar. E sai. Para outros locais. Com ela leva a produção, o trabalho, a riqueza, o estado social...

Pelo que não há dois caminho. Só há um. O Estado tem que se ajustar. Tal como já se ajustaram as empresas e a população.

Infelizmente, o Estado não é uma entidade abstrata. O Estado são as pessoas e as empresas... Pelo que, no seu processo de ajustamento, acaba por levar todas essas pessoas e empresas com ele. No seu processo de ajustamento, o Estado “apertará” ainda mais as pessoas e as empresas.

Mas clarifiquemos (Cavaco disse tudo e disse bem): vamos ter que ajustar mais um pouco e viver por aí... Em austeridade? Não. Simplesmente com o que temos. É pouco? É muito? Bem, isso é relativo. Será muito visto da Etiópia e pouco visto da Alemanha... Será sempre pouco visto de dentro. Mas isso é bom pois motivará mudanças que nos poderão permitir voltar a lutar por melhorias.

Não vivemos numa crise (em U, V ou W) em que se volta ao ponto inicial. É que esse ponto inicial era o do governo Sócrates, ilusório e hiperinflacionado. Não. Estamos em ajustamento, em L. De regresso à realidade que se situa mais abaixo. Isso é empobrecimento? Talvez. É o que acontece quando vivemos á conta de empréstimos por muito tempo.

Mas, concluindo, poderíamos até juntar ainda outra saída: gastar e gastar (e será que nos emprestam para isso?) o que permitiria manter o défice e os benefícios sociais à conta de empréstimos externos. Ou seja, voltaríamos aos bons velhos tempos socialistas, onde se vivia bem (e nem sabíamos). Mas aí, será a morte de todos. Cigarras e Formigas. Pois um ótimo estado social hoje à conta de empréstimos levaria a um estado social inexistente no futuro quando as próximas gerações terão que se ajustar às existências do momento e ainda por cima (egoismo das atuais gerações) terão que pagar pelos empréstimos anteriores, assumidos para suportar os benefícios das gerações anteriores. 

Resta saber se os jovens vão achar que vale a pena ficar por cá à espera deste futuro. Penso que não...

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